quarta-feira, maio 16, 2007

A Valorização do Real


Rodrigo Constantino

"Sometimes, by examining too many trees, one loses sight of the forest." (Martin Zweig)

O dólar rompeu o patamar psicológico de R$ 2,00 e ninguém sabe dizer onde ele vai parar. Alguns falavam em R$ 1,85 – o que parecia distante demais – e já estamos quase lá. No debate sobre o assunto, surgem muitas opiniões divergentes, mas poucos realmente analisam com calma o quadro geral. A visão míope faz com que muitos foquem somente na árvore, e ignorem a floresta. Não é razoável observar o que ocorre no Brasil sem levar em conta o que se passa no resto do mundo. O país não é uma ilha isolada, e o fenômeno em questão é sem dúvida mundial.

Comecemos levantando alguns dados para análise. Nos últimos 12 meses, o peso colombiano, por exemplo, se valorizou 21% em relação ao dólar. O dólar da Nova Zelândia subiu 16,9% no mesmo período, o koruna da Eslováquia subiu 16,8%, o baht tailandês valorizou 13,4%, o shekel israelense subiu 12,9%, o peso de Filipinas subiu 11,8%, o rupee da Índia valorizou 11,6%, o krona da Islândia subiu 11,6% e o guarani paraguaio valorizou 11%. O nosso real se valorizou cerca de 9% nos últimos 12 meses. Alguém ainda acha que a força da nossa moeda tem uma explicação isolada do que ocorre no mundo? Ou está mais claro que se trata de um fenômeno mundial, no qual as moedas emergentes estão se valorizando em relação ao dólar americano?

Os motivos para tal fenômeno são vastos. Entre as principais causas, eu destacaria a globalização finalmente abraçada pelos países emergentes, a revolução financeira e tecnológica, e a entrada da China e Índia no mundo capitalista. Há anos que o comércio mundial cresce bem acima da economia mundial. As nações estão trocando mais bens e serviços entre si, e isso é algo fantástico, pois cada um pode focar melhor em suas vantagens comparativas e obter mais barato dos demais aquilo que demanda. A enxurrada de produtos chineses no mundo tem essa explicação. Em trocas voluntárias entre indivíduos, ambos se beneficiam. O mesmo vale entre indivíduos e empresas de diferentes nações. Aumentando o escopo do ambiente de concorrência, há uma busca maior por eficiência, a produtividade tende a aumentar muito. Junte-se a isso a revolução tecnológica e financeira mais recente, e temos as principais causas desse "céu de brigadeiro" que tem dominado a cena nos últimos anos. Os países emergentes aprenderam muitas lições nos últimos anos. O foco aqui não é tratar das causas dessa bonança mundial, o que faria necessário um outro artigo inteiro. O objetivo é apenas mostrar que existe esse fenômeno, e que ele é mundial. O Brasil vai de carona, a despeito da ausência de reformas mais estruturais e necessárias. Poderia estar, sem dúvida, voando num patamar bem mais elevado!

O caso das reservas cambiais reforça essa tese de fenômeno mundial. Muitos falam do "excesso" de reservas acumuladas pelo Banco Central brasileiro, que já passam dos US$ 100 bilhões. Mas seria esse um caso particular do Brasil? A China, por exemplo, já possui mais de US$ 1,2 trilhão de reservas. A Rússia está chegando perto dos US$ 400 bilhões, Taiwan tem mais de US$ 270 bilhões, Coréia cerca de US$ 250 bilhões e Índia algo como US$ 200 bilhões. Cingapura, um país com cerca de 5 milhões de habitantes, possui algo em torno de US$ 140 bilhões em reservas. Em relação ao PIB, o Brasil tem pouco mais de 10% de reservas, contra 38% da Rússia e 47% da China. Será que é tanto assim mesmo? Será que é algo que tem ligação apenas com uma estratégia do nosso Banco Central? Uma vez mais, estamos vendo um fenômeno global, uma enorme quantidade de dinheiro buscando desenfreadamente alternativas de investimentos. Se existe um pouco mais de retorno esperado, mesmo com mais risco, vem uma chuva de capital. E o risco percebido vem sistematicamente caindo.

O "risco país", que é medido pelo EMBI calculado pelo JPMorgan, tem experimentado quedas drásticas em todo mundo emergente. Não há mais gordura! Os bonds do governo brasileiro pagam atualmente apenas 148 pontos base acima do título do governo americano. Em outras palavras, o investidor recebe a mais somente 1,5% ao ano, aproximadamente, para assumir o risco do governo brasileiro em vez do americano. Mas novamente, não é um caso isolado do Brasil, tampouco mérito do governo Lula. A média geral dos mercados emergentes é de 158 pontos base, e isso inclui Argentina. A Turquia, por exemplo, paga apenas 153 pontos base acima do título americano, e o país está longe de ser um exemplo de solidez e credibilidade. Não resta dúvida de que algo estrutural e muito forte está acontecendo, e os fundamentos de fato mudaram, ficando mais sólidos no mundo todo. Mas parece haver excessos, e os investidores podem estar chamando urubu de "meu loiro". Não há como saber se isso vai acabar mal ou não, e em qual prazo uma correção mais séria deverá ocorrer. Sabe-se apenas que os mais cautelosos ou pessimistas estão deixando de surfar uma onda gigantesca.

A bolsa do Peru, por exemplo, subiu quase 200% em dólares nos últimos 12 meses. A bolsa da Croácia subiu 115% no mesmo período, e a do Vietnã subiu 80%. O Ibovespa se valorizou pouco mais de 40% no mesmo período, em dólares. Um grande bull market contagiando o mundo todo! Os "animal spirits" de que falava Keynes parecem estar à solta, mas é importante frisar que há fatos concretos que justificam um otimismo geral. Se no caminho alguns vão se machucar, pagando caro ou entrando numa hora ruim, é impossível dizer agora. Os mercados financeiros não andam pari passu com os fundamentos da economia, pois são máquinas de antecipação dos eventos futuros esperados. Nem mesmo dá para afirmar por quanto tempo mais esses fundamentos vão valer.

Não é o objetivo aqui prever a direção dos ativos financeiros. Basta constatar que o mundo vive um momento único, raro e fantástico. E é nesse contexto que o dólar furou o nível dos dois reais. Chega a ser irresponsável falar nesse tema sem mencionar o cenário global. Alguns empresários aproveitam logo para pedir intervenção estatal – mais ainda! Em nome da "proteção da indústria nacional", querem uma atuação ainda mais ativa do Banco Central, impedindo a valorização do real. Mas o câmbio não passa de um preço, um importante preço. Deve, portanto, ser livremente definido pelo encontro da oferta e demanda. Somente assim estará transmitindo corretamente todos os fundamentos existentes na economia, possibilitando uma tomada de decisão racional por parte dos diferentes agentes. Não é interessante tentar manipular artificialmente o câmbio. Não é possível segurar uma manada. Mais inteligente é se adaptar à nova realidade do mundo, sem medo das importações e da competição global. Se importar fosse ruim, os Estados Unidos seriam o país mais miserável do mundo. Que os empresários briguem pelas reformas estruturais necessárias para aumento da nossa competitividade, não pelo controle cambial! Não há motivo – nem instrumento adequado – para barrar a valorização do real. Trata-se de um fenômeno global.

PS: A esquerda nacional está ficando sem bodes expiatórios. O FMI já foi embora, a dívida externa está quase acabando e até os juros estão migrando para o patamar de um dígito apenas. Em breve, terão que reconhecer que é o Estado inchado a verdadeira causa dos nossos males. Se bem que não é adequado subestimar a criatividade dos esquerdistas em criar fantasmas...

14 comentários:

Anônimo disse...

PS: A esquerda nacional está ficando sem bodes expiatórios. O FMI já foi embora, a dívida externa está quase acabando e até os juros estão migrando para o patamar de um dígito apenas. Em breve, terão que reconhecer que é o Estado inchado a verdadeira causa dos nossos males. Se bem que não é adequado subestimar a criatividade dos esquerdistas em criar fantasmas...

EXCELENTE COMENTARIO!!!!!

Catellius disse...

Convido todos a lerem meu último post, intitulado "Adiós Carismáticos". O comecinho:

A viagem de negócios de B16 ao Brasil foi um sucesso na visão de Ana Maria Braga, Louro José, Reinaldo Azevedo e dos jovens que lotaram o Pacaembu para saltitar ao som amplificado do inquisidor a demonizar a peça de látex que possivelmente muitos deles carregavam no bolso, preparados que deviam estar para praticar a castidade que aprenderam no Segue-me. Também foi um sucesso para as beatas, verdadeiras groupies à espera de seu Bono Vox. A saia branca armada por anáguas, as rendas, os anéis, colares, sapatilhas vermelhas, a touquinha forrada de pele de arminho, os carros de luxo, mitras e báculos do séqüito, brasões, bandeiras e o aparato militar para proteger o teocrata das fãs deixaram estas maravilhadas com o poder da divindade da qual ele se diz único representante. Para os não tão entusiasmados, os seguranças de preto ao redor do alienígena davam a impressão de que os Men In Black haviam enfim capturado o Imperador daquela famosa e distante galáxia.

etc...

Os crentes também são bem-vindos!

Paulo Becker disse...

Se bem que não é adequado subestimar a criatividade dos esquerdistas em criar fantasmas...

Já posso até imaginar alguns deles... A "resistência" da oposição, a "burguesia branca e capitalista", o "imperialismo" dos norte-americanos, os problemas criados pela administração anterior... Realmente, que ninguém duvide do poder de distorcer os fatos que a esquerda tem.

Tiago Albineli Motta disse...

Vão dizer que a imprensa é culpada! Já tiraram a liberdade das TVs aberdas, o próximo passo é calar os jornalistas.

Anônimo disse...

A desvalorização do dólar é bom ou ruim para os EUA?

Anônimo disse...

Todo extremismo, seja de esquerda ou de direita, produz fantasmas. A Esquerda concebida como o mal absoluto é um fantasma; a abstração "O Esquerdista" (demônio análogo ao "Banqueiro Judeu Bolchevique" dos nazistas) também é um fantasma; e o ídolo Mercado - escrito com inicial maiúscula, da mesma forma como se escreve Deus - não passa de um fantasminha legal.

Eduardo da Costa Silva disse...

Os exportadores já estão chiando, só não estão chiando mais porque com ceteza os produtos estavam com uma gordurinha, senão o lobby tinha aumentado e o Bacen mais uma vez iria intevir nesse mercado cambial "livre". E um detalhe, segundo dados oferecidos pelo Folha de São Paulo, 70% das nossas exportações são feitas por empresas multinacionais, ou seja, nossas empresas não têm competitividade.

Blogildo disse...

Rodrigo, vc é o único economista que leio que parece ver esse fenômeno de maneira positiva. A maioria parece ver isso com supeita e medo. A lucidez é algo cada vez mais raro por essas bandas.
Vamos ver o que a esquerda vai inventar agora.

Anônimo disse...

Uma hipótese mais simples: O dólar caindo é apenas a boa e velha inflação, feita para pagar pela guerra no Iraque.

Isso explicaria também a "explosão de prosperidade" no terceiro mundo. Bolha inflacionária.

Anônimo disse...

Rodrigo, talvez você possa explicar a força que tem o guaraca paraguaio. Desde setenta (que eu saiba) o guarani se valoriza em relação à moeda brasileira. Qual é o milagre, já que por lá até o papel higiênico é importado? Lembro que quando fui visitar parentes em Assunção, usava-se um suíço!

Anônimo disse...

Rodrigo, o mercado de câmbio no Brasil é realmente livre? Se sim, por que o Bacen vive intervindo quando o dolar cai? Dizer que o dolar está barato e é hora de compor as reservas internacionais é bullshit. Se quase não há mais dívida externa, para que reservas em dolares? Pior ainda, o governo se endivida INTERNAMENTE para bancar a farra das reservas internacionais. Tudo isso usado como desculpa para "conter" o dolar.

Estou para ver a hora do calote da dívida pública INTERNA, que já passou há muito do 1 trilhão de reais. E mais, há excesso de dinheiro no mercado internacional e todo mundo sabe disso. Também estou aqui esperando pelo estouro da bolha. Quero ver o "flight to quality". Que investidor louco aplica dinheiro no Brasil, com essas instituições podres e corruptas, por apenas 1,5% acima das Treasuries? Sim, são especuladores sim, e alguns pagarão caro por isso, quando a bolha estourar. Ou você realmente acha que o Brasil tem sólidos fundamentos para essa "bonança"?

Outra coisa que me mata de rir é ver o Bacen dizer que o investidor estrangeiro gosta do Brasil. Hilário! Para cá só vem capital especulativo de curto prazo, capital produtivo que é bom há muito tempo não se vê por essas bandas.

Anônimo disse...

Ricardo Froes, até parece que o fato de uma moeda se valorizar frente a outra significa que a economia do país vai melhor. Quanta falácia! Falácia dos esquerdistas, que estão aí, comemorando o fato de terem uma moeda "forte". Forte até a próxima bolha, qua qua qua.

Anônimo disse...

se é certo ou não eu não sei, só sei que quem trabalha com turismo como eu é que se ferra... talvez se a valorização do real viesse junto com uma redução drástica dos impostos, o fato não seria tão penoso...

Unknown disse...

Caro Rodrigo

é a primeira vez que eu comento em seu blog, apesar de acompanhá-lo há algum tempo (com uma frequência menor do que eu gostaria...)

Surpreedo-me quando se fala dos "malefícios" da valorização do dólar, principalmente para as exportadoras. Ora, esquecemmos que estas mesmas exportadoras tem boa parte de suas dívidas ancoradas ao dólar? Claro isso não compensa o declínio das receitas, mas é um fator que deve ser lembrado (e explorado).

A onda de valorização dos mercados emergentes é um fenômeno global, como você bem abordou no seu post. Apesar do nosso Pequeno Timoneiro se vangloriar por isso, pelo "espantoso" crascimento (sem ter efetivamente movido "uma palha" para que isso acontecesse), pela estabilidade, continuamos sendo retardatários na corrida pelo melhor "jacaré" da onda.

Com não temos uma solidez econômica nem perto do desejável, nem liberdade real de mercado e muito menos desoneração (=estímulos) de investimentos, quando a onda começar a quebrar, é bem possível que sejamos então os pioneiros, os primeiros a sentir o peso desta falta de estrutura.


É por isso que eu creio que este otimismo que toma conta do mercado de capitais brasileiro é muito suspeito, e no mínimo, bastante artificial.

Abraço!
Ielpo