quarta-feira, outubro 15, 2008

O Lado Bom da Crise



Rodrigo Constantino, para a Revista VOTO

Uma crise da magnitude desta atual sempre machuca muita gente. Algumas pessoas, por fatores ideológicos, parecem torcer pelo pior, pois sonham com o dia em que a “profecia” de Marx será realizada, decretando o fim do capitalismo. Onde esse sonho virou realidade, sempre pelo uso da força, foi um verdadeiro pesadelo para todos aqueles que conseguiram sobreviver. Mas a atual crise tem de fato um lado positivo, e ele passa bem longe da possibilidade de o capitalismo acabar. Ao contrário, o lado bom da crise é justamente a perda de poder relativo de alguns líderes autoritários, que investem contra o capitalismo. O motivo é a redução do preço do petróleo.

O aumento do preço do petróleo atua como uma espécie de imposto, transferindo renda dos indivíduos para os governos, particularmente os piores governos. Afinal, a maioria dos países exportadores de petróleo é controlada por governos autoritários. Falam até de uma “maldição do ouro negro”, já que o excesso de riqueza natural no solo, sem uma adequada mentalidade liberal, acaba produzindo regimes autoritários. Entre os maiores exportadores de petróleo do mundo estão países como Arábia Saudita, Rússia, Irã, Venezuela e Nigéria. Dificilmente podemos utilizar algum desses países como grande exemplo a ser seguido. E quando o preço do petróleo entra em tendência de alta, são os governos desses países que mais se beneficiam.

Foi justamente o que aconteceu desde 2003, quando o preço do petróleo iniciou uma forte tendência de alta. O barril, que custava cerca de US$ 30 no começo de 2004, chegou a quase US$ 150 em 2008. Isso significa centenas de bilhões de dólares saindo dos bolsos dos consumidores do mundo todo para encher os cofres de políticos corruptos e ambiciosos. Vários especialistas já alertavam para o risco desse preço ultrapassar US$ 200 por barril. Essa montanha de recursos transferidos para governos ideologicamente retrógrados representa um sério risco. Basta verificar as atitudes recentes de governos como o venezuelano e o russo, causando enorme tensão geopolítica. A Rússia chegou a partir para a guerra, e Hugo Chávez vem investindo pesado em armamentos, além de financiar movimentos revolucionários na região. Sem falar do Irã, cujo líder anti-semita Mahmoud Ahmadinejad representa um constante perigo para Israel. Em resumo, a bolha do petróleo serviu para financiar as atrocidades de vários governos populistas e autoritários.

Mesmo no Brasil este lamentável quadro estava se tornando uma realidade. Com a descoberta de campos gigantescos como Tupi, a megalomania irresponsável estava tomando conta da nação. O governo já sonhava com os infindáveis gastos populistas por conta das reservas petrolíferas do pré-sal. O futuro incerto estava sendo hipotecado para bancar a orgia do presente. Em vez de o governo continuar as licitações para permitir a exploração da riqueza pelo setor privado, a ganância falou mais alto, e as regras foram alteradas no meio do jogo. Até mesmo a criação de uma nova estatal foi proposta, tudo para que o governo ficasse com o osso todo para si. A descoberta de vasta riqueza natural costuma despertar este tipo de ambição nos governantes, que usam a retórica nacionalista para enganar os leigos e concentrar o poder. Nas mãos do PT, partido que parece disposto a qualquer meio para manter o poder, o problema é ainda mais grave.

A história pode não se repetir exatamente, mas ela muitas vezes rima. Este fato não é novo, e o Brasil não seria o primeiro, tampouco o último caso onde o ganho rápido com a riqueza natural retarda o desenvolvimento econômico do país. Em vez de representar uma bênção, o excesso de recurso natural pode ser uma praga, se as instituições e a mentalidade não forem adequadas. É análogo ao caso onde alguém totalmente despreparado, acorda podre de rico após ganhar na loteria. Os riscos de o dinheiro desaparecer numa seqüência de atos estúpidos são enormes. O caso do governo é muito pior, pois o governante assina cheques com o dinheiro dos outros. A riqueza não é do governante, mas é ele quem detém o poder de usá-la. Uma receita certa para abusos.

Eis o contexto que permite ao menos alguma coisa a ser celebrada em meio a esta destruição de riqueza causada pela crise financeira. O preço do petróleo, em vez de decolar rumo aos US$ 200 por barril, recuou para baixo de US$ 80. Isso quer dizer que os governos autoritários terão bem menos recursos para seus estragos habituais. Sempre que figuras como Putin, Ahmadinejad, Chávez e Lula perdem parcialmente poder, há motivo para comemoração.

Gostaria de finalizar com uma citação do mexicano Octavio Paz, o Prêmio Nobel de literatura, autor de O Ogro Filantrópico. O trecho é interessante, pois o México viveu este drama da “maldição do ouro negro” bem antes do Brasil. E o resultado foi lamentável, como o esperado. O Partido Revolucionário Institucional (PRI), membro da Internacional Socialista, teve o poder hegemônico sobre o país entre 1929 até 2000. A existência de vastas reservas de petróleo contribuiu bastante para essa hegemonia. O PRI soube explorar bem a retórica nacionalista, e despertou um oportunista sentimento xenófobo no povo. A estatal Pemex controlou o setor por décadas, servindo como um braço do partido na economia. Qualquer semelhança como a realidade brasileira atual não é mera coincidência. Por esta razão, as palavras de Paz são mais atuais que nunca. Basta trocar México por Brasil, e o recado está bem claro:

“Por um lado, o Estado mexicano é um caso, uma variedade de um fenômeno universal e ameaçador: o câncer do estatismo; por outro, será o administrador da nossa iminente e inesperada riqueza petrolífera: estará preparado para isso? Seus antecedentes são negativos: o Estado mexicano padece, como enfermidades crônicas, da rapacidade e da venalidade dos funcionários. [...] O mais perigoso, porém, não é a corrupção, e sim as tentações faraônicas da alta burocracia, contagiada pela mania planificadora do nosso século. [...] Como poderemos nós, os mexicanos, supervisionar e vigiar um Estado cada vez mais forte e rico? Como evitaremos a proliferação dos projetos gigantescos e ruinosos, filhos da megalomania de tecnocratas bêbados de cifras e de estatísticas? [...] Nos últimos 50 anos temos assistido com raiva impotente à destruição de nossa cidade, e de nada nos valeram as críticas nem as queixas: teremos mais sorte com nosso petróleo do que com nossas ruas e monumentos?”

2 comentários:

André Barros Leal disse...

Infelizmente, a 80 dolares o barril, ainda sobra muito dinheiro para o autoritarismo lucrar. A boa noticia é que nesse patamar de preços, a exploraçao do pre-sal deve ser recalculada, visto que o dinheiro nao vai jorra a tortoe a direito como previu os petralhas

Marco disse...

CARO CONSTANTINO,

Aproveito para perguntar: Como ficará esse negócio do pré-sal, caso o preço do barril venha ficar abaixo dos 70 dólares? A farra continua?

Um abraço.