quinta-feira, março 26, 2009

A Prosperidade Ilusória



Rodrigo Constantino

“The only way to do away with, or even to alleviate, the periodic return of the trade cycle – with its denouement, the crisis – is to reject the fallacy that prosperity can be produced by using banking procedures to make credit cheap.” (Ludwig von Mises)

A taxa “natural” de juros é aquela que predominaria num livre mercado de capitais, equilibrando a oferta existente de capital poupado e a demanda por investimentos. Para realizar novos investimentos produtivos, antes é necessário acumular capital, ou seja, fatores de produção. No entanto, a mentalidade vigente parte da premissa de que uma redução na taxa de juros será sempre desejável, ainda que obtida por meios artificiais. Fala-se em “escassez de dinheiro”, confundindo-se dinheiro com capital, como se mais dinheiro vindo do além pudesse gerar mais investimento produtivo de forma sustentável. Isso não passa de uma grande ilusão, como Mises já havia demonstrado em artigos do começo do século XX, organizados no livro The Causes of the Economic Crisis.

Existem duas maneiras de se criar dinheiro artificial: impressão de papel moeda pelo governo; e emissão de crédito bancário sem lastro. Os bancos podem reduzir artificialmente as taxas de juros através de meio fiduciário, emitindo notas e cheques além da quantidade de depósitos à vista, possível graças às reservas fracionárias. Mises chamou essa emissão fiduciária sem lastro de “circulation credit”, enquanto o crédito lastreado pela poupança era chamado de “commodity credit”. Somente o primeiro é inflacionário. O “dinheiro fácil” criado por este mecanismo pressiona as taxas de juros para baixo, criando a falsa sensação de prosperidade. Investimentos que antes não pareceriam rentáveis pela taxa “natural” de juros, agora se tornam atraentes. Recursos são desviados para estes investimentos ruins e indesejados, adicionando mais lenha na fogueira, sustentando assim o clima de euforia. Algumas escolas de pensamento chegaram a defender esta política dos bancos como meio para tornar o crédito gratuito e resolver a “questão social”. A arte da alquimia teria sido descoberta. Mas a inflação não é uma política sustentável.

A inflação dura somente enquanto as pessoas acreditarem que ela será temporária. Assim que os agentes se convencerem de que a inflação não irá parar, eles fogem do uso desta moeda, correndo para “valores reais” como moedas estrangeiras, metais preciosos ou até escambo. Cedo ou tarde, portanto, a crise deve inevitavelmente estourar como resultado de uma mudança na postura dos bancos ou dos agentes. Quanto mais tarde for este ajuste, mais doloroso ele será, pois maiores serão os estragos causados na fase de bonança artificial. Uma fase de recessão substitui o boom anterior, e os negócios iludidos durante a era de crédito abundante acabam sendo liquidados. Os bancos se tornam mais cautelosos, e ficam tímidos na expansão de mais crédito circulante. A taxa de juros sobe novamente para seu patamar “natural”. Quando uma política inflacionista chega ao fim dessa maneira, é preciso tempo para ajustar os excessos. As pessoas se tornam descrentes e recusam novas rodadas de crédito fácil. Talvez uma nova geração tenha que surgir para que a memória coletiva seja totalmente apagada e uma nova onda de ilusão possa tomar conta do país.

Segundo Mises, o principal fator por trás dessa ilusão coletiva é ideológico. Tanto os políticos como os empresários encaram a redução da taxa de juros como uma meta essencial da política econômica. A expansão do crédito circulante é vista como o meio adequado para atingir esta meta. Enquanto as pessoas não entenderem que o único meio sustentável de redução da taxa de juros é o maior acúmulo de capital através da poupança, essas ondas de euforia seguida de pânico irão continuar. Os bancos devem atuar como intermediários entre poupadores e investidores, mas não devem ter o poder de criar crédito com lastro inexistente. O conhecimento de que o governo estará disponível no caso de emergências cria um moral hazard, fazendo com que os bancos sejam ainda mais agressivos e irresponsáveis na política de crédito circulante. Se a crise pudesse seguir seu curso livremente, para impor as duras penalidades nos agentes que assumiram mais dívida do que podiam, todos seriam mais cuidadosos com o crédito no futuro. Mas a opinião pública aprova a assistência do governo durante as crises, o que apenas estimula o comportamento irresponsável.

Em resumo, a política de expandir o crédito circulante deverá inevitavelmente acabar algum dia. Se for mais cedo, por uma mudança dos próprios bancos retraindo o crédito, o estrago causado por investimentos indesejados será menor. Se for mais tarde, uma catástrofe poderá ser inevitável, pois apenas uma depressão poderá limpar todos os erros da era de prosperidade ilusória. As pessoas precisam aceitar a realidade, em vez de sonhar com milagres. A taxa de juros não é algo que pode ser impunemente manipulada por governos ou bancos. Ela é um importante preço de mercado, que equilibra poupança e investimento. Enquanto as pessoas julgarem que uma maçã hoje vale mais do que uma daqui a um ano, haverá taxa de juros para equacionar as preferências intertemporais dos agentes. Os investimentos produtivos dependem sempre de capital acumulado, justamente para deixar de consumir mais agora e ter mais depois. Acreditar que é possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo, que podemos simplesmente forçar na marra a taxa de juros para baixo, para aumentar os investimentos sem a contrapartida de mais poupança real, não passa de uma grande e perigosa ilusão.

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