domingo, agosto 26, 2012

Conversa fiada


Ferreira Gullar, Folha de SP

Sabe a razão pela qual a empresa estatal dificilmente alcança alto rendimento? Porque o dono dela --que é o povo-- está ausente, não manda nela, não decide nada. Claro que não pode dar certo.
Já a empresa privada, não. Quem manda nela é o dono, quem decide o que deve ser feito --quais salários pagar, que preço dar pela matéria-prima, por quanto vender o que produz--, tudo é decidido pelo dono.
E mais que isso: é a grana dele que está investida ali. Se a empresa der lucro, ele ganha, fica mais rico e a amplia; se der prejuízo, ele perde, pode até ir à falência.
Por tudo isso e por muitas outras razões mais, a empresa privada tem muito maior chance de dar certo do que uma empresa dirigida por alguém que nada (ou quase nada) ganhará se ela der lucro, e nada (ou quase nada) perderá se ela der prejuízo.
Sem dúvida, pode haver, e já houve, casos em que o dirigente de uma empresa estatal se revelou competente e dedicado, logrando com isso dirigi-la com êxito. Mas é exceção. Na maioria dos casos, indicam-se para dirigir essas empresas pessoas que atendem antes a interesses políticos que empresariais.
Isso sem falar nos casos --atualmente muito frequentes-- de gerentes que estão ali para atender a demandas partidárias.
Tais coisas dificilmente ocorrem nas empresas privadas, onde cada um que ali está sabe que sua permanência depende fundamentalmente da qualidade de seu desempenho. Ao contrário da empresa estatal que, por razões óbvias, tende a se tornar cabide de empregos, a empresa privada busca o menor gasto em tudo, seja em pessoal, seja em equipamentos ou publicidade.
E não é por que na empresa privada reine a ética e a probidade. Nada disso, é só porque o capitalista quer sempre despender menos e lucrar mais. Não é por ética, é por ganância.
A empresa pública, por não ser de ninguém --já que o dono está ausente-- é "nossa", isto é, de quem a dirige, e muitas vezes ali se forma uma casta que passa a sugá-la em tudo o que pode.
A Petrobras pagava a funcionários seus, se não me engano, 17 salários por ano e o Banco do Brasil, 15. Os funcionários da Petrobras gozavam também de um fundo de pensão (afora a aposentadoria do INSS), instituído da seguinte maneira: cada funcionário contribuía com uma parte e a empresa, com quatro partes.
Conheci um desses funcionários que, depois que se aposentou, passou a ganhar mais do que quando estava na ativa. Numa empresa privada, isso jamais acontece, não é? No governo Fernando Henrique aquelas mamatas acabaram, mas outras continuam.
Não obstante, o PT sempre foi contra a privatização de empresas estatais, "et pour cause". Lembram-se da privatização da telefonia? Os petistas foram para a rua denunciar o crime que o governo praticava contra o patrimônio público.
Naquela época, telefone era um bem tão precioso que se declarava no Imposto de Renda. Hoje, graças àquele "crime", todo mundo tem telefone, e a preço de banana.
Mas o preconceito ideológico se mantém. Os governos petistas nada fizeram para resolver os graves problemas estruturais que comprometem a competitividade do produto brasileiro e impedem o crescimento econômico, já que teriam de recorrer à privatização de rodovias e ferrovias.
Dilma fez o que pôde para adiá-la, lançando mão de medidas paliativas que estimulassem o consumo, mas chegou a um ponto em que não dava mais.
O PIB vem caindo a cada mês, o que a levou à hilária afirmação de que, mais importante, era o amparo a crianças e jovens... Disse isso mas, ao mesmo tempo, mandou que seu pessoal preparasse às pressas --já que as eleições estão chegando-- um plano para a recuperação da infraestrutura: investimentos que somarão R$ 133 bilhões em 25 anos. Ótimo.
Como privatização é "crime", pôs o nome de "concessão" e impôs uma série de exigências que limitam o lucro dos que investirem nos projetos e, devido a isso, podem comprometê-los.
Nessa mesma linha de atitude, afirmou que não está, como outros, alienando o patrimônio público. Conversa fiada. A Vale do Rio Doce, depois de privatizada, tornou-se a maior empresa de minério do mundo e das que mais contribuem para o PIB nacional. Uma coisa, porém, é verdade: cabe ao Estado trazer a empresa privada em rédea curta.

7 comentários:

uilsonjc disse...

Rio de janeiro, 26 de agosto de 2012.
Prezado Rodrigo Constantino.
Muito obrigado por este texto do Ferreira Gullar. Acho que ele caiu em si e tomou nova posição sobre as questões políticas, em prol da liberdade individual e dos direitos de propriedade. Complementaria o texto afirmando o que o Donald Stewart afirmou uma vez:
- "O que todo empresário realmente teme é a competição, com outro empresário mordendo-lhe os calcanhares, para vender mais a preços menores". Creio que seja este o sentido quando o Ferreira Gullar diz que o empresário seja mantido em rédea curta. Um abraço.
UilsonJC.

Lourival Marques disse...

Por um lado, o texto está certíssimo. Por outro lado, é uma pena que ele tenha demorado quase meio-século para descobrir o óbvio.
No fundo, mais um comunossauro querendo bancar o esclarecido. Madalena arrependida.

http://cristaldo.blogspot.com.br/2012/08/longo-e-o-caminho-de-umacortesa-ate-o.html

lgn disse...

Ah! Sr.Ferreira Gullar. Sempre tive como óbvio que a maior oposição que a ideologia marxista teve e terá sempre é a realidade interpretada pela matemática. A esquerda pode matar, eliminar, confinar todos aqueles que se opõem às suas idéias, mas dificilmente provará com fatos que suas teses são viáveis. O Sr. Ferreira Gullar apenas observou a realidade e a confrontou com a sua memória ideológica. Antes tarde do que nunca.

samuel disse...

O Sr Ferreira Gular precisa ainda ler muito este blog e suas recomendações bibliograficas para poder se adicionar à luta que os liberais travam como neste blog.
AINDA ESTÁ MUITO TÍMIDO.

rafernandes disse...

Rodrigo,

Se, realmente, esse cara é uma "Madalena Arrependida" como bem disse seu outro leitor, e se tiver um fiapo de vergonha na cara, à noite, quando está sózinho tendo sómente o travesseiro como companheiro de confidências íntimas, deve corar de vergonha por mais de meio século de serviços inúteis prestados "à causa". Que se arrependa agora, porque é melhor do nunca, mas que deve dar uma sensação de que foi um completo idiota, ah....isso deve dar! E, não nego, dá-me grande satisfação! Que babaca....

Anônimo disse...

"Uma coisa, porém, é verdade: cabe ao Estado trazer a empresa privada em rédea curta."

concorda Rodrigo?

Rodrigo Constantino disse...

Não. Mandei um artigo para ver se a Folha publica justamente sobre isso, afirmando que Gullar bateu na trave, mas ainda carrega certo ranço do passado.